terça-feira, 30 de novembro de 2010

Quando alguém compreende que é contrário à sua dignidade de homem, obedecer a leis injustas, nenhuma tirania pode escravizá-lo (Mahatma Gandhi).


A igualdade de dignidade e direito para todos, está no artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos, norma adotada pela ONU em 10 de dezembro 1948, cujo o objetivo seria que as metas deste documento fossem praticadas por todos os países. Logicamente dos 192 Estados-Membros são poucos que põem em prática as finalidades estabelecidas. Nesses quase 62 anos desde que ela foi assinada, a realidade de muitos povos mudaram, entretanto está longe do ideal. Dentre as diversas discussões em relação à diversidade humana e direitos humanos as questões de gênero e étnica são fundamentais. O Brasil segue essa linha de transformação social, porém os fatos ainda mostram que há disparidade econômica, discriminação e preconceito resultante de um processo histórico no país. Por isso as medidas de ações afirmativas vêm sendo implantadas nos últimos anos, buscando eliminar essas desigualdades historicamente acumuladas.

Estas medidas tiveram origem no início do século XX na Índia (ainda como Colônia inglesa), porém sem o nome de ‘medidas afirmativas’, inicialmente com o intuito de que o parlamento indiano também fosse constituído por membros de castas ditas inferiores. Em 1947 após a independência, elas foram inseridas pela atual constituição da República da Índia, que entrou em Vigor em 26 de janeiro de 1950, com o objetivo de compensação as injustiças cometidas no passado contra os dalits (intocáveis). Na década de 60 os Estados Unidos, se tornaram referencial no assunto, o então Presidente John F. Kennedy implantou uma série de políticas de ações afirmativas, após um longo período de segregação ‘racial’, resultado da luta pelos direitos civis e de igualdade defendidas pelos ativistas dos movimentos negros. Essa política de reparação foi realizada em vários países da Europa, na Austrália, Malásia, Canadá, África do Sul, Nigéria, Cuba, Argentina dentre outros.

A política de ação compensatória se restringe ás parcelas discriminadas da população, que deste modo recebem um tratamento diferenciado. As principais áreas beneficiadas pela discriminação positiva são o mercado de trabalho (a contratação, qualificação e promoção de funcionários), a representação política, o sistema educacional e a mais conhecida e polêmica delas o sistema de cotas. Essas medidas têm sido coerentes até por que quando nasce um Preto/mestiço (Pardo) na favela/sertão e um branco em um bairro de classe média ambos tem a mesma capacidade intelectual, mas o decorrer do tempo as diferenças sociais vão prevalecendo e determinando uma desleal concorrência no futuro, em relação ao ensino superior, ao trabalho, qualidade de vida. Portanto, seria o excluído contra o incluído. Na literatura brasileira pré-modernista quem descreve esses dois ‘Brasis’ é Euclides da Cunha profundo conhecedor da realidade histórica e social do país, apesar de seguidor do Positivismo, Evolucionismo e Determinismo, em sua obra clássica “Os Sertões”, ele retrata essa grande barreira que divide o Brasil, entre os expulsos da sociedade e os inclusos.

O histórico de preconceito contra os negros é grande e ocorre principalmente pela sua ancestral condição de escravos por mais de 300 anos. Didaticamente falando, pois relatório da UFRJ diz que entre 2003 e 2009 foram libertados 40 mil brasileiros. Espantosamente no século XXI eles ainda viviam sob o regime servil e semelhante à escravidão. Desses 40 mil, 73,5% eram afro-descendentes, ou seja, mais de 7 em cada 10 trabalhadores que faziam parte de explorados libertados recentemente, 122 anos após a Lei Áurea ser sancionada, estudos atuais comprovam a existência de muitos brasileiros que vivem até hoje em situações degradantes, formas contemporâneas do escravismo.

Em nosso país, novos analfabetos funcionais vem se revelando, são incapazes de compreenderem dados (contas estatísticas), que retratam as proporcionalidades indicadoras da desigual condição vivida entre negros e brancos. O quarto Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), lançado pelo governo federal neste ano, em março, indica que a desigualdade entre trabalhadores brancos e os de cor preta ou parda diminuiu, mas ainda é grande. Em 2008, os negros recebiam somente 56,7% da remuneração dos primeiros, um pouco mais que a metade, enquanto em 1998, esses números eram ainda mais assustadores, a população branca recebia cerca de 206 % da renumeração da negra, um pouco mais que o dobro.

O relatório afirma que a diferença entre ambos se mostra constante: Em 1990 37,1% dos afro-descendentes viviam abaixo da linha de extrema pobreza do Banco Mundial (US$ 1,25 ao dia), em 2008, esse número caiu para 6,6% porém entre os brancos, a queda foi proporcional ou quase isso, de 16,5% há 18 anos, para 2,8% no ano retrasado. Logo os números mostram que a proporção de pessoas muito pobres entre os negros é mais que o dobro que entre os brancos.

Um outro estudo publicado em 2010 pelo instituto de pesquisa Sangari, registra que a chance de um jovem negro ser morto é 130% maior que a de um branco. O estudo mostra que em 2007 morriam 2,6 jovens negros para cada 1 jovem branco, isso quer dizer que em cada 900 jovens que morriam 650 eram pretos ou pardos e 250 eram brancos. Em relação à posição econômica entre eles, pode-se dizer que 60% dos pobres no Brasil são constituídos por negros. Dentre as pessoas consideradas como indigentes 70% são afro-descendentes.

Os dados do IPEA, PNUD, DIEESE, IBGE, OIT entre outros também afirmam esse constrate. Porém, não é necessário tantos números, basta olhar a realidade do cotidiano e veremos nitidamente essa desigualdade. A visibilidade do negro em altos postos da sociedade é desproporcional à do branco. A mesma situação se dá nas favelas, que tiveram sua origem ligada ao fim do período escravagista no final do século XIX. Sem perspectiva de vida, sem opção de trabalho, sem terra, sem estudo e marginalizados os ex-escravos em busca de moradia iniciaram a ocupação informal de áreas desvalorizadas, de difícil acesso e sem mínima infra-estrutura. Os Presidentes da República Velha e da Ditadura só realizaram medidas e ações, que impossibilitaram a integração dos ex-escravos e seus descendentes à sociedade. Um exemplo criado nos anos de chumbo foi a lei do Boi, em 1968, no governo Costa e Silva. Filhos de fazendeiros sem problemas financeiros, que estudaram em escolas de prestígio e residiam na capital ou não, foram colocados em cursos de Agronomia e Veterinária através de cotas. Esses jovens não necessitavam ter seu acesso à universidade facilitado de tal maneira, a lei que era para ‘corrigir’ desigualdades. Logo, foi usada verdadeiramente para privilegiar uma classe alta da sociedade.

Seguindo a coerência dos estudos e dados, é como se a população negra estivesse muito doente, à beira da morte, na UTI, e a população branca com uma leve gripe. Esse é o diagnóstico social. Portanto, é incoerente e injusto tratar os pacientes da mesma forma, com o mesmo medicamento. Um deles merece um tratamento especial com mais atenção. Enquanto não estiverem na mesma condição esse cuidado diferenciado deve continuar.

Os resultados dos países que implantaram esse tratamento (ações afirmativas) são satisfatórios e estão servindo como modelo de reparações históricas para outros. O Brasil também realiza essa política, porém vem tendo dificuldade em sua aceitação é óbvio que há um custo-benefício: Quando uma sociedade tem um pequeno grupo que ocupa a maioria dos espaços importantes, ela é deficiente, contém uma democracia superficial. Se há grupos sem oportunidades, há pessoas talentosas, com potencial que estão sendo ignoradas, se forem criadas oportunidades através de medidas afirmativas, será possível reconhecer e integrá-las à economia e à sociedade, onde antes elas eram descartáveis. Não é apenas uma questão de igualdade, mas também de eficiência econômica, quando o perfil do líder refletir o perfil da base, na maioria das vezes a instituição funcionará melhor. Biologicamente não existem raças, somos iguais, mas a desigualdade étnica, de oportunidade, racismo, preconceito são fatos sociais. A sociedade tem que se auto-educar e viver de forma solidária, a condição de vida deve ser igual para todos, esse é um dos princípios de um Estado justo.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A problemática do ENEM.


O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) é o maior exame do Brasil, aproximadamente 4,6 milhões de estudantes se inscreveram nesse ano. Houve um enorme número de inscritos, esse elevado interesse pelo ENEM é consequência da importância que atualmente ele exerce, são variadas as suas finalidades porém as prinicipais são: O acesso ao Ensino superior em universidades (Tanto públicas como as privadas); atráves do Prouni (Programa Universidade para Todos), Sisu (Sistema de Seleção Unificada) ou de seleção parcial, do sistema de cota social ou “racial” (Um bom exemplo é a UFRJ); certificação de conclusão do Ensino Médio pelo EJA (Educação de Jovens e Adultos); avaliação da qualidade do Ensino Médio das escolas no país e é sempre bom lembrar que o exame a partir do ano letivo de 2011, será uma exigência para as pessoas que se candidatarem no FIES (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior).

Nos dois últimos anos, aconteceram problemas graves em relação ao exame. Ano passado o Exame Nacional do Ensino Médio foi cancelado, pois ocorreu o vazamento do conteúdo que iria ser aplicado na prova (Roubo de cadernos), demonstrando nitidamente a frágil segurança da gráfica responsável pela impressão e distribuição dos cadernos a RR Donnelley. Um dos 3 autores do roubo, o funcionário da gráfica Felipe Pradella chegou a declarar em depoimento a Polícia que a segurança do Enem era uma “festa”. Em 2010 os problemas voltaram, entretanto dessa vez as cópias de determinados cadernos (Pra ser exato 21 mil, que para o MEC está tudo dentro da - normalidade técnica-) saíram defeituosas, com todo tipo de erro que se pode imaginar, questões repetidas, perguntas diferentes com numeração igual, perguntas do caderno branco no caderno amarelo, questões em falta, pra não falar da falta de preparo de muitos instrutores nas salas onde a prova foi realizada. A edição do dia 07/11/10 da Folha de São Paulo detalhou todas as falhas ocorridas (Abaixo o trecho retirado da matéria):

“1- Existiam duas questões 23, uma na frente e outra no verso da página. A primeira questão 23 era igual à questão 29 e a outra era idêntica à questão 21. Ambas as perguntas pertenciam à ciência humana.
2- A questão 33 era igual a 38; a 50 igual a 48; a 54 igual a 51.
3- As questões 34, 61 e 74 estavam replicadas em duas páginas.
4- As questões 35 e 73 estavam duplicadas, mas o conteúdo era diferente. Uma das questões 73 era igual a 75.
5- A questão 49 estava duplicada, mas o conteúdo era igual.
6- A questão 73 estava duplicada, mas o conteúdo era diferente.
7- A questão 81 estava duplicada e uma delas era igual a 80.
8- Da página 29 pulava para a 32; da 52 para 54; da 63 para 65 e da 75 para 78.
9- Até a página 5, o caderno era amarelo; 6-7 era branco; 8 amarelo; 9 era branco; 10-13 amarelo; 14 era branco; 15-16 amarelo; 17 branco; 18-21 amarelo; 22 branca; 23-24 amarelo; 25 branco; 26-28 amarelo.”

A ironia dos fatos é que tanto ano passado, como esse ano a ‘ganhadora’ da licitação do ENEM foi a RR Donnelley, logo a gráfica responsável pela distribuição e impressão dos materiais do Exame Nacional do Ensino Médio. De acordo com a nota oficial da própria empresa, ela acabou se responsabilizando pelos danos: “A RR Donnelley, na condição de gráfica contratada mediante processo licitatório para a impressão das provas do Enem 2010, garante o cumprimento de suas obrigações contratuais, responsabilizando-se por adotar as medidas necessárias para a solução dos problemas gerados, principalmente visando garantir os direitos dos estudantes eventualmente prejudicados".

Inegavelmente esses dois episódios mostram um dos principais erros da administração pública (Tanto em esfera municipal, estadual ou federal), que é a falta de gerenciamento dos contratos públicos. Alguns críticos dizem que na lei de Licitações e Contratos, o critério técnico em determinadas modalidades (A maioria esmagadora) não é objetivo, outros dizem que é objetivo, essa divergência não ocorre, por exemplo, no critério de preço, pois está bem explícito que quanto menor o preço, melhor a sua classificação. Contudo o consenso geral das opiniões aprofundadas em relação ao assunto, é que os contratos públicos no Brasil são um campo fértil de irregularidades e corrupção (Mais abaixo explicarei os motivos).

O fato é que a empresa que mais pontuou conforme as exigências definidas no edital da concorrência, de acordo com a ‘consciente’ comissão julgadora vinculada ao MEC, foi por dois anos seguidos a RR Donnelley. É inquestionável também que durantes dois anos seguidos houve irregularidades, de certo a gráfica provou não ser tão competente como a comissão julgou, e para reforçar, provou sua incompetência na distribuição e impressão do maior exame do Brasil duas vezes seguida (Em 2009 e 2010).

Um cidadão que compra algum produto ou serviço é absolutamente normal que o próprio confira se o que ele comprou está funcionando, se aquilo corresponde ao que pediu exemplos: X comprou uma televisão, é óbvio que ao chegar em casa, X irá verificar se está ligando, se está trocando de canal ou quando Y contrata um encanador para arrumar o vaso sanitário, ele logicamente após o serviço, irá testar se o vaso está dando descarga, se está ‘tudo nos conformes’.

Essa atitude habitual e lógica da população, não se tem nos órgãos públicos brasileiros nos casos de contratação de serviços privados (terceirizados). Pode-se observar que em qualquer empresa séria, a fiscalização dos contratos de serviços, está entre as obrigações do contratante, ou seja, o comprador tem obrigação de fiscalizar. Os bancos (Não necessariamente todos), por exemplo, também utilizam gráficas terceirizadas nas emissões de cheques, porém os cheques são produzidos em gráficas competentes, ultra-seguras, nas quais funcionários não têm acesso a esses respectivos setores e os poucos que tem, são revistados na saída e na entrada. Os bancos checam incansavelmente, cada etapa do processo de produção, armazenagem e envio todos os dias. Princípio que o Estado não segue na prática, pois na teoria a lei exige esse comportamento, mas são raras as repartições públicas que ‘fiscalizam’ ou gerenciam de forma eficiente os serviços contratados pelo governo.

As conseqüências (Ou objetivos disso tudo, como quiser interpretar) são o superfaturamento de obras, desvio de verbas, eleição de políticos para favorecer esse sistema (São muitos os ‘Sanguessugas’, fique esperto para não votar em um deles), uso da máquina, mais lentidão nos processos burocráticos; aprovação de reformas em obras (Exemplo estádio de futebol) ou novas construções públicas desnecessárias, avenidas, calçadas e ruas esburacadas entre outras obras incompletas ou mal feitas. Logo se tem a idéia de que as empresas escolhidas nas licitações (Não é regra), normalmente são aquelas com o melhor certificado de “propinagem” e não de eficiência técnica como alguns agentes públicos e a lei diz.

É o fiscal quem autoriza o pagamento do contratado, após verificar se o serviço foi cumprido adequadamente, no entanto o pagamento a execução de serviços inacabados ou com vários erros, se tornou comum no país (Não preciso citar exemplos dessa vez né? Basta olhar as obras públicas inacabadas ou com orçamentos surreais, espalhadas pela sua cidade).

É sempre bom deixar claro, que não afirmei ou dei (nem posso) a entender que houve propinagem, corrupção nesse caso da RR Donnelley, porém posso afirmar que aconteceram falhas consecutivas da empresa contratada, fato que propicia levantar um debate polêmico em relação à administração do Estado.

As universidades que aderem o ENEM (Não que a teoria/projeto em si seja ruim) como processo seletivo, principalmente aquelas de forma unificada pelo SISU, acabam caindo conseqüentemente no descrédito da falta gerenciamento dos contratos públicos.

No exuberante e rico Brasil (E em vários países, não sejamos hipócritas) falta capacidade em gerenciar os recursos públicos. Existem poucas ferramentas que permita realizar uma gestão de funcionários com base em resultados (Até mesmo para não atrapalhar as negociatas dos mesmos). Deveriam existir mais instrumentos para se punir um mau servidor, e recompensar aqueles que realizam seu trabalho produtivo com qualidade. Há uma evidência clara da necessidade de servidores nos ministérios (Ou órgãos públicos como quiser interpretar) que possam colocar a máquina para funcionar.

Quando ocorreu falha, é porque teve condições, que permitisse que o erro acontecesse. A partir da Identificação das causas, podemos criar armas para combatê-las. A população deve combater de várias formas esse mau uso do dinheiro público, protestar, exigir seus direitos como cidadão é importante, mas propor medidas alternativas para que essas condições que facilitam o acontecimento de erros mudem, são essenciais. Quando se faz isso, há uma redução drástica no número de problemas. Errado é persistir com um sistema provado ser falho. É sempre possível mudar algo partindo do conceito correto.