segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Conflitos e Ocupações no Rio de Janeiro em pauta. (O que realmente aconteceu e deveria ser feito?)



Jornalistas acompanham a operação policial no Complexo do Alemão - RJ

Nos últimos dias houve muita repercussão nacional e internacional sobre as tomadas de regiões dominadas pelo tráfico de drogas na cidade do Rio de Janeiro. O mundo noticiou o ocorrido, todas as atenções se voltaram para a ‘cidade maravilhosa’. Na TV inúmeros canais exibiram ao vivo imagens espetaculares e o decorrer do conflito a todo o momento. Os ataques da PM, Forças Armadas, BOPE e companhia contra a barbárie no Complexo do Alemão ou na Vila Cruzeiro, repercutiram nos principais sites, canais e jornais do mundo. Vamos citar alguns: BBC, CNN, The New York Times, El País, Clarín, Le monde, The Washington Post, Le Figaro, The Gardian e outros. Nas redes sociais da internet a notícia também obteve uma grande recepção, foi um dos assuntos mais comentados do mundo no Twitter, em determinado momento 3 dos 5 principais tópicos (TT’S Mundiais) eram sobre esse evento, no Facebook e no Orkut comunidades sobre o tema só cresciam. Enfim os principais meios de comunicação estavam assistindo, comentando, debatendo, noticiando e em sua grande maioria de forma totalmente positiva o “enfrentamento” aos traficantes na futura sede da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Alguns até de forma no mínimo irresponsável propagaram falácias ao noticiar o caso como se fosse à vitória da sociedade sobre os bandidos, como se fosse o dia D ou um marco histórico, como se fosse a política mais pragmática dos últimos anos. Alguns jornalistas chegaram até a indagar furiosamente sobre o porquê esse confronto direto e bem armado com os traficantes, não foi feito antes? É brasileiro tem memória curta, não vai se lembrar da idêntica Operação Rio (94/95), até porque resultou em muita coisa pro povo e a mídia lembrar não é? . (Ah! Quem dera que isso tudo fossem meros comentários isolados).



Os discursos em gerais foram assumidamente triunfalistas, o efeito dessa grande promoção midiática foi a aprovação quase unânime da população. Porém pontos importantes foram esquecidos nesse imbróglio todo. Primeiramente é um absurdo chamar de inteligente ou eficaz, uma medida em que apenas combate a mão de obra barata sem perspectiva desse tipo de criminalidade. Seria inteligente sim, se usassem ao menos metade desses mesmos agentes de segurança, para combater as fontes de financiamento do tráfico nos morros e comunidades carentes. A baía de Guanabara, o Porto (No caso específico da cidade do Rio) e as fronteiras nacionais (No caso amplo do país inteiro) são as portas de entrada das drogas e armas em gerais (Algumas são armas de guerra, logo veio do exército).

Afinal, não são os traficantes do morro que as fabricam, na realidade são encomendadas por essas facções e como todo bom sistema capitalista, há uma hierarquia no processo. Cadê os verdadeiros barões do tráfico? Esses que são os mais nocivos para a sociedade, até por ganharem as maiores fatias do ‘bolo’ tanto no sentido de dinheiro quanto de poder. Se é para enfrentar o crime organizado, a prioridade é combater aonde há o maior lucro, obviamente não é nas favelas e sim nas fontes de financiamento. Essa escolha de administração não interessa o governo federal e o estadual, até por isso eles não o priorizaram (Isso para não entrar no papo da legalização das drogas). ‘Ah, mas existe a Delegacia de Repressão ao Crime Organizado no Rio’ se a imprensa mostrasse as condições que a DRACO está hoje, com certeza seria um avanço para uma mídia mais democrática, entretanto não mostra que esse importante serviço de inteligência se encontra sem estrutura, sem uma boa remuneração, sem equipamentos básicos de trabalho, sem equipe suficiente, e olha que como a DRACO existem outras com a mesma situação, como bem lembrou o Deputado Estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ) em um de seus pronunciamentos recentes. Assim fica difícil o antigo e atual governo reclamar da corrupção nos órgãos policiais. É bom deixar claro que os verdadeiros chefes do tráfico de entorpecentes, os barões do varejo estão lavando o dinheiro na bolsa de valores, construindo hotéis cinco estrelas espalhados pelo mundo (Fechando acordos a margem da lei nos mesmos). O mexicano bilionário Joaquín Guzmán é um exemplo desse perfil. Logicamente isso não se combate apenas no RJ (Uma das rotas).

Em 2005 o relatório mundial sobre drogas das Nações Unidas, revelou que o valor do mercado ilícito de drogas foi estimado em 13 bilhões de dólares ao nível de produção, 94 bilhões ao nível de preço de mercado e a mais de um trilhão baseado nos preços de cultura, levando em conta inclusive as perdas. Isso porque a pesquisa da ONU foi a 5 anos atrás e é apenas um cálculo aproximado. Logo a lucratividade dos inatingidos pelas políticas disfuncionais de combate, pode ser maior do que o estimado e desse período até 2010 com certeza já cresceu. Veja bem nem a Nova Zelândia, Uruguai, Equador, Irlanda, Hungria, Portugal e a Argentina juntos em um ano produzem tantas cifras (É impressionante o fluxo do mercado de drogas, você tem noção desse valor? ).



Forças da Ordem, retomando as favelas.


Essa forma de combater da atual administração é falha, em 2007 o mesmo governo entrou no Complexo do Alemão fortemente armado, matou 19 e saiu. Até a 4 semanas atrás a região continuava absolutamente da mesma maneira. De 2003 a 2009 foram mortos 7.854 civis por ações policiais no Rio de Janeiro. Mais de mil por ano, índice assustador, maior do que muitos países. Há quase um padrão no perfil das pessoas executadas, que é o negro, pobre, favelado e jovem. Ingenuidade acreditar que confrontos armados nas favelas podem acabar com o crime organizado. Ter a polícia que mais mata e que mais morre no mundo não resolve. Esse tipo de ação repressiva e muito bem exposta pela mídia, que é apenas matar, prender, recolher drogas e armamentos pode até de imediato enfraquecer, entretanto não acaba com a criminalidade. Muito pelo contrário, no decorrer do tempo essas medidas os fortalecem, pelo simples fato de valorizar ainda mais o produto do consumo ilegal. Quanto maior a repressão, maior o preço da mercadoria até por ser proíbida e estar em oferta, dessa forma a atratividade e as propinas não menos importante também aumentam. É simples, é a lei da oferta e da procura, um dos pilares do capitalismo. Até quando eles não irão reparar nisso?


População carioca corre no meio do tiroteio.

A administração estadual de segurança pública do RJ não tem efetivo para ocupar as favelas da capital, imagina as do interior (A sua lógica válvula de escape, se já não é). O que está se desenhando de concreto mesmo é um projeto de cidade olímpica e não de segurança pública, essas ocupações estão atendendo as necessidades ‘olímpicas’ (de interesse privado). As ‘retomadas’ pelas polícias são nos morros da Zona Sul, ao redor do Maracanã, Jacarepaguá e a zona portuária, ou seja, áreas de investimentos privados como por exemplo o imobiliário e turístico (Como diz os documentos secretos de diplomacia entre BR-EUA vazado pelo WikiLeaks). A única exceção é na Zona Oeste, onde só tem uma UPP e que fica na única comunidade que ainda não era dominada por milícias. Logo o tráfico de drogas irá continuar ou em um racicíonio lógico piorar nas áreas carentes que não fazem parte do mapa olímpico, incluindo as cidades do interior (É óbvio que não são todas as favelas que tem tráfico). Em relação as milícias (Hoje esse gênero de criminalidade já é maior que as ‘facções’ do tráfico das favelas), as áreas ocupadas pelas UPP’s não são as dominadas pelos filhos bastardos do gato orçamentário, por isso eles não mudaram de nenhuma forma o seu comportamento. O lado positivo nesse circuito, é que a Secretaria de Segurança está deslocando o seus batalhões para alguns morros, essa é idéia é boa, que é trabalhar com o que tem. Mas são áreas pequenas ou médias e que a violência não é tão grande como em outras (Prioridades), entretanto esse passo que está sendo apelidado como ‘UPP informal’ é interessante e alternativo, uma ação diferente que não era feito antes. É bom ressaltar que essas unidades pacificadoras do Estado não estão chegando para todas e nem para a maior parte das comunidades carentes mesmo contando com as ‘informais’.



Mapa da distribuição das UPP'S e dos ataques realizados pelo crime organizado.

Outra medida eficaz é antes de tudo ‘ocupar’ as polícias, filtrar da corporação a tão exposta banda podre (agentes corruptos). Assim valorizando os verdadeiros policiais, guerreiros que arriscam suas próprias vidas pela segurança. A esmagadora maioria das importantes modalidades de ação criminal no RJ (Se quiser ler Brasil, não há nenhum problema), está sistematicamente vinculada com os segmentos corruptos da polícia. Em forma de omissão por ‘arrego’, outros negociam armas, outros viraram até empreendedores do tráfico, ou seja, isso se dá de vários modos. Um modelo histórico de ‘ocupação’ é a LAPD, hoje uma das polícias mais respeitadas do mundo. Entretanto antes de conquistar esse notório título, o Departamento policial de Los Angeles passou por um grande processo de filtragem. O persistente Richie Roberts e sua brilhante equipe investigaram a profundidade e extensão do crime organizado na região. Todos os caminhos levaram a um ponto convergente chamado Frank Lucas (Um verdadeiro Barão/chefe do Tráfico), após um esquema bem articulado para derrubar a máfia envolvida com o tráfico de drogas. Final da operação, Frank Lucas e todos os traficantes vinculados a ele foram presos, metade da polícia de Los Angeles foi demitida por corrupção no caso, um verdadeiro limpa. Soldados, capitães, pilotos do exército e até agentes da CIA foram descobertos no esquema, todos eles faziam parte do crime organizado. Eram usados aviões de guerra para transportar heroína dentro dos caixões dos soldados mortos, direto do Vietnã para os EUA (‘Heroína da melhor qualidade’). Era uma sub-máfia dentro do organismo do Estado, no entanto não ocorreram muitas punições com os últimos.

Esse acontecimento apesar de não ocorrer em semelhante conjuntura, deixa bem nítido a relação de interdependência dos agentes corruptos e a bandidagem (Fato comum no crime organizado, quase uma regra natural). No caso particular do Rio de Janeiro, o tráfico cresceu em sociedade com segmentos ‘podres’ da polícia, ele foi protegido, até de certo modo patrocinado por esses setores, ligados principalmente pela cumplicidade e omissão. Richie Roberts primeiramente queria acabar com o tráfico em Los Angeles e acabou derrubando metade dos policiais da corporação da cidade, um escândalo na época. A extraordinária história virou até filme ‘American Gangster’ conhecido aqui no Brasil como ‘O gângster’ estrelado pelo excepcional Denzel Washington e não menos notável Russell Crowe.



Romeu Tuma ex-Diretor Geral do DOPS e Ex Senador por SP.

A arquiterura das corporações policiais está equivocada, é preciso transformar a instituição e suas formas de organizações, pois é um sistema herdado de outra realidade, da Ditadura. O modelo atual inviabiliza a transparência de gestão, controle interno entre outras coisas, o Tropa de Elite (1/2) mostra de forma esclarecedora essa questão. Até é importante ressaltar que algumas instituições no Brasil, estão mudando a formação policial e para os já formados estão orientando para agir mais ‘democraticamente’ no cotidiano. Basta uniformizar essa formação. Esses asssuntos passam desde a Lei de Anistia até a polêmica PEC 300. É de total prioridade que se aprove os reajustes da PEC 300 tão defendida pelo Luiz Eduardo Soares e que condene os militares envolvidos em crimes na Ditadura. Esses primeiros passos são simples, equiparar o salário dos policiais, abrir os arquivos policiais e condenar os assassinos. Até porque é possível ver os respectivos crimonosos fardados hoje em dia nos poderes legislativos sendo representantes públicos, ou são ironicamente instrutores ensinando ‘conduta ética’ e formando novos policiais/militares, outros estão exercendo as mesmas funções ou aposentaram. Enquanto isso, os familiares que perderam parentes, combatentes pela democracia no Brasil, não sabem nem ao menos o que aconteceu com eles. E veem esses torturadores por aí livres, leves e soltos. Assim faça-se a justiça?



Ônibus queimado por traficantes na bairro de Maria da Graça.

O próximo tópico de pouca evidência é o incompetente sistema prisional. Ocorreu no episódio uma transferência de responsabilidade, informações duvidosas e não resolução do problema no final das contas. Vamos nos ‘refrescar’. Uma parcela dos prisioneiros culpados por pertencer ao mercado ilegal de drogas na região carioca foi transferida para Catanduvas-PR antes dos “ataques”, devido as limitações estruturais, superlotação, corrupção incontrolável dos funcionários da prisão...ou melhor resumindo, por não conseguir manter os bandidos realmente presos. De repente há uma série de ataques no RJ, ditas como resposta da ‘bandidagem’ pelas implantações da UPP. Me desculpe mas reagir queimando ônibus por aí, não é bem uma ‘resposta’ racional às respectivas implantações, com certeza tem um milhão de outras maneiras mais racionais de se responder as essas unidades policiais. Os traficantes não iriam jogar de maneira alguma a população para os braços do governo, para que o mesmo bancasse o ‘super-herói’ e consequentemente salvar a pátria como nos desenhos animados. As opções dentro desse contexto são: Ou o dito crime organizado das favelas é bem ‘burro’, é só os marginalizados pelos marginalizados ‘Nóix por nóix’ ou é uma resposta para renegociar as propinas cobrados pela banda podre ou outra coisa qualquer, menos resposta de insatisfação pelas UPP. Até a fala de que o governo forjou esses ataques é mais convicente e coerente do que o motivo propalado pelos principais meios de comunicação. (Quem melhor poderá saber ou dar pistas sobre essa situação toda é que tem -entrada- com o poder público e com os traficantes, alguém assim como o José Junior do Afroreggae). Pode ser tiradas algumas certezas, a primeira é que o recado foi ao Estado, os ataques foram direcionados a estrutura do governo e em menor escala aos civis(Cabines policiais - NÃO foram das UPP’s-, ônibus...), não houve por parte do crime organizado o interesse de matar ou ferir fisicamente a população, tanto que eles fizeram questão de tirar todos os cidadãos do ônibus, e depois de todos fora do automóvel, queimá-lo. Segunda certeza, as instituições estão notávelmente em parceria dessa vez, não há problema ‘político-partidário’. Terceira certeza, o perfil dos traficantes estão mudando e as facções perdendo força, o tráfico irá se fortalecer e as facções naturalmente enfraquecer, os consumidores estão buscando as drogas de forma segura, não é dificil encontrar pessoas (Geralmente jovens) de classe média ou alta vendendo drogas. E pra finalizar esse parágrafo, digo que a Secretaria de Segurança do RJ concluiu que a ordem da qual fosse realizado os ataques, partiu da cadeia de Catanduvas-PR. Só pode ser uma piada (Se é que partiu de lá). E agora? Vão transferir os mesmos presidiários para outra prisão de novo ou vão resolver os problemas tão antigos e atuais do sistema prisional?

Outro ponto, esse já até bem mais comentado é a ausência do Estado em forma de saúde, esporte, lazer, educação, infra-estrutura nas favelas. Não adianta o Estado se fazer presente nas favelas só em forma de polícia (UPP’s - Segurança), é necessário entrar também com mais escolas, bibliotecas, prontos-socorros, postos de sáude, parquinhos, saneamento e assim por diante, essa sim é a verdadeira pacificação. Sem esses tipos de complementos sociais fica totalmente incoerente e inútil as UPP’s, sendo assim seria mais uma divisória social do que uma política de inclusão. Nos territórios ocupados, porém há iniciativas interessantes nesse sentido, espero que seja permanente e bem mais amplas.

O ibope (Confiável né Kajuru?) realizou uma pesquisa recentemente para saber se a população concorda com as medidas tomadas contra o crime organizado, 88 por cento responderam que apoiam. Dessa vez devo concordar com o IBOPE por ver in loco, essa elevadíssima aprovação. Essa pesquisa mostra mais uma vez como a nossa população é facilmente ‘manobrada’ e sem senso crítico de nada. Espero que os leitores não sejam cúmplices involuntários dessa contínua reprodução no mínimo omissa de fatos importantes.